Antonin Gadal
Antonin gadal
Antonin Gadal foi um historiador que reabilitou a dimensão espiritual e iniciática do catarismo. O leitor interessado encontrará a essência da sua abordagem original ao catarismo na sua obra mais conhecida: “O Caminho do Santo Graal”.
Discípulo fiel de Adolphe Garrigou
Antonin Gadal nasceu a 15 de Março de 1877 em Tarascon sur Ariège (Sul de França). A poucos passos da sua casa vivia o historiador Adolphe Garrigou (1802-1897), um ancião a quem os habitantes da região chamavam, carinhosamente “o Patriarca do Sabarthez”. Garrigou estava firmemente convencido de que os relatos de Napoleón Peyrat, na sua “História dos Albigenses”, eram baseados em factos reais esquecidos pela história oficial, pelo que consagrou muitos dos seus esforços a desvelar a verdade desconhecida dos cátaros. Adolphe Garrigou reconheceu em Gadal, apesar da sua juventude, a mesma vocação e transmitiu-lhe o valioso dos seus muitos anos de investigação.
Antonin Gadal considerava imperioso que a sua intuição concernente à existência da riqueza iniciática dos cátaros fosse confirmada por sinais visíveis, por vestígios na matéria. Dedicou a maior parte da sua vida a percorrer as montanhas do Sabarthez, sondando os abismos, buscando nas grutas, rastejando com uma vela na mão, como um buscador de tesouros. Recolheu uma importante colecção de objectos curiosos, símbolos mágicos e de cultos que mostravam que desde os tempos mais remotos, o Sabarthez não tinha deixado de ser uma terra sagrada, um refúgio espiritual.
“O caminho da iniciação não é só uma imagem”, gostava de dizer. Seguiu o rastro de cada indício da verdade concernente aos cátaros, a fim de descobrir o elo que os unia à sua fonte espiritual original: a Gnose. Aprofundou-se no estudo de textos antigos, em bibliotecas escuras, sem hesitar a voltar atrás para copiar longas passagens, confrontando todos os pontos de vista. Ajudado por um sacerdote apaixonado pela pesquisa, o abade Vidal, teve acesso aos arquivos da Inquisição do Sabarthez, nos quais consultou volumosos registros. Paradoxalmente, a maior parte das fontes materiais históricas disponíveis procediam dos adversários dos cátaros: o clero católico, monges, inquisidores e os vassalos da coroa de França. Reuniu assim, notas preciosas.
Teve que reconhecer que os conceitos originais do cristianismo, fundados na pureza, no amor, no renascimento da alma, na santificação e no Espírito, tinham sido lentamente pervertidos, adaptados ao desejo de poder da igreja e tornaram-se mundanos. Gadal compreendeu rapidamente que se tinha feito todo o possível para impedir estas descobertas. As fontes originais foram destruídas ou mutiladas; outras fontes não estavam ao alcance dos investigadores; os dados históricos tinham sido completamente misturados. Surgiram lendas e fábulas, tornando tudo ainda mais irreconhecível. Só subsistiam alguns vestígios, que foram logo investigados por Gadal.
A obra de um homem inspirado pelo Espírito
Entretanto, o despertar cátaro começava a suscitar um interesse real, sobretudo nos meios ocultistas, teosóficos e alguns outros, principalmente germânicos e anglo-saxões: Evocava-se Montségur! O Santo Graal! Entregavam-se a especulações infinitas!
Enquanto isso, Gadal parecia buscar um objectivo completamente distinto, de outra transcendência: Queria revelar a face oculta e pura de um cristianismo vivo que, para ele, consistia num caminho de iniciação para homens e mulheres ávidos na sua alma pelo “espírito crístico”.
Entretanto, prosseguia os seus estudos sobre o terreno, nas grutas de Ussat e Ornolac, onde se situava uma parte do mistério de iniciação cátaro. Ficou certo de que estas grutas numerosas, que constelavam as paredes da “Montanha Sagrada” e formavam uma rede de galerias subterrâneas, tinham tido um papel fundamental nas práticas iniciáticas dos cátaros. Se Montségur, um lugar espiritual sublime, representava a parte visível do fenómeno cátaro (“o farol” do catarismo), as grutas de iniciação do Sabarthez (“o porto” do catarismo) eram a matriz onde nascia o sacerdócio cátaro, “a perfeição”.
Com a recordação profunda de vivências passadas como guia interior, Gadal investigou o que se apresentava diante dele. A sua busca mostrou-lhe que as antigas fraternidades cristãs, anteriores e posteriores aos cátaros, tentaram alcançar o Reino do Espírito ou da Luz, e o caminho que tinham percorrido apresentavam todos as mesmas características.
Descobriu que todos esses homens e mulheres, que todos esses grupos, às vezes muito afastados uns dos outros e separados pelos séculos ao longo do tempo, orientaram os seus esforços no mesmo sentido, passaram pelas mesmas experiências, chegaram às mesmas descobertas e sofreram calúnias e perseguições. Mas todos eles, num dado momento, se uniram à mesma corrente espiritual, sem começo, nem fim, o “Paráclito”, como lhe chamavam os cátaros. Todos beberam da mesma fonte, fonte que devia ser desvendada, se se quisesse compreender a epopeia cátara.
Tudo isto se impôs em Antonin Gadal com tal força que não cessou de partilhar com os demais, os frutos da sua intuição. Mas, para que os espíritos se abrissem a estas descobertas, primeiro tinha-se de preparar o terreno.
Contribuição da divulgação do catarismo
Nos anos 30 do século passado, formou-se um grupo de pessoas orientadas para a renovação do catarismo e a busca do Santo Graal. Entre elas encontravam-se personalidades distintas: um ocultista, um escritor inspirado, como Maurice Magre, intelectuais como Déodat Roché, que também procurava o segredo dos cátaros, a condessa Pujol-Murat, descendente da célebre Esclarmonde de Foix, o poeta e filósofo René Nelli, amigo de André Breton, para quem “Montségur ainda ardia”, e evidentemente Antonin Gadal.
O catarismo supõe para alguns, não só um grande momento da história do pensamento filosófico da Idade Média, mas abriu novas perspectivas sobre o conhecimento do homem, da evolução da consciência e da espiritualidade na Europa. Diante deste impulso, surgiu um círculo de simpatizantes aparentados pelo espírito que trabalhou com vista a um despertar, de uma revivificação da antiga cultura occitana.
Muito rapidamente o senhor Gadal formou no Ariège, à volta de Tarascón e Ussat, um círculo de amigos dispostos a ajudá-lo nas suas investigações, tanto históricas como esotéricas, sobre o catarismo. Teceu laços de profunda simpatia com Isabelle Sandy, escritora local, com a condessa Pujol-Murat, com Paul Alexis Ladame, escritor suíço que mostrava uma grande veneração pelos cátaros, com Christian Bernadac, escritor, e sua família, com Fauré-Lacaussade, historiógrafo local. Também foi ajudado no seu trabalho por alguns sacerdotes católicos, como o já referido abade Vidal e o abade Glory, os quais se sentiam profundamente indignados com as perseguições infligidas aos cátaros pelas autoridades eclesiásticas da Idade Média.
Não é possível citar todos os nomes dos seus companheiros de investigação, desde o pastor ao erudito. Todos o estimavam e exaltavam a sua bondade, disponibilidade, abertura de espírito, e sua imensa modéstia. Por citar alguém, antes da guerra encontrou um jovem e dotado escritor alemão Otto Rahn, colmado de ideais elevados e de mistério. Na companhia de Gadal, Otto Rahn visitou os castelos e as grutas da região. Um dia exclamou comovido: “Tendes a sorte de habitar num mundo à parte. Tudo parece congelado pela história, e neste vale esculpido por gigantes, basta olhar para ser-se transformado e, sobretudo, para compreender o que se passou. Tudo está inscrito nele. O Sabarthez é um grande Livro, o Livro mais belo do mundo”.
Antonin Gadal sabia tudo isto muito bem, por isso queria abrir de novo este livro, fechado há vários séculos debaixo das cinzas frias das fogueiras e da miséria dos calabouços da Inquisição. Em poucas palavras, queria reconstruir uma parte da história do sacerdócio cátaro. A sua investigação assemelhou-se a uma “busca iniciática”. Seguiu as pegadas da verdade concernente aos cátaros e abraçou progressivamente os profundos laços que os uniam à antiga fonte gnóstica do cristianismo.
Nos anos 1937 e 1938 alguns ocultistas, sobretudo anglo germânicos, como Walter N. Bricks, interessaram-se pelas suas peregrinações e dirigiram-se a ele. Gadal sabia, no entanto, que o segredo dos cátaros, o seu “Tesouro”, não podia adquirir-se sem esforço pessoal, sem um processo interior purificador, uma “endura”. Enquanto muitos ocultistas ou especuladores queriam forçar a porta do segredo invisível, Gadal escolhia outro caminho: o da paciência, a entrega, a abnegação e a humildade.
“Não é com fogo que se abre a porta!”
Interiormente “sabia” que essa porta devia abrir-se, pois havia revelado o mistério da iniciação cátaro e penetrado na elevada espiritualidade dos “bons homens”, colocando na luz o papel que, como centro iniciático, haviam desempenhado as grutas do vale do rio Ariège, desde tempos imemoráveis.
Encontro com a Rosacruz
Antonin Gadal, pleno de aspiração, alçava os olhos às Montanhas de onde lhe chegaria a ajuda. Esperava há muito tempo poder um dia entregar o testemunho da herança espiritual da fraternidade dos cátaros a quem fosse digno disso.
Em meados dos anos 50 do século passado, Antonin Gadal conheceu os fundadores da Escola Espiritual da Rosacruz Áurea, Jan van Rijckenborgh e Catharose de Petri. Estes partilhavam com Gadal a mesma orientação gnóstica e, como ele, também eram conscientes da vida da alma, vibrante, divina e universal. Esta vida que brinda Luz, Amor e Vida a todos aqueles que desejam libertar-se do sofrimento e da morte desta natureza.
Este encontro incorporou a Jovem Fraternidade Gnóstica na Corrente Universal, a Fraternidade procedente da Idade Média, através da mediação do ancião e patriarca, o senhor Gadal. A comemoração desta sublime união e por sua iniciativa, a 5 de Maio de 1957 foi erigido, no centro dos grandes santuários antigos, um símbolo visível, um simples monumento de grande valor e sentido profundo, conhecido pelo nome de Galaad.
Este monumento simboliza que a Tripla Aliança da Luz: Graal, Cátaros e Cruz com Rosas, não é um simples lema, senão um testemunho de uma Verdade imperecível. A Tripla Aliança da Luz existiu sempre; esta Aliança existe desde o princípio dos tempos e sempre existirá, até ao futuro mais longínquo, até à eternidade.
O novo “bom homem”
O que mais surpreendia a quem conhecia Antonin Gadal era a sua extrema modéstia, bondade, paciência, mas também a fé que sempre teve no Espírito Todo-poderoso, a fé na Religião do Amor que inspirou o catarismo. Para uns, era o “Avô”, o “patriarca”, o novo “bom homem”. Para outros, era “o bom professor de Ussat, esse homem delicioso que nos honrava com a sua amizade” (Pierre Durban).
Em Gadal, mais que uma verdade histórica, encontramos uma “iluminação”; mais que um poeta ou um místico, um conhecedor, um “gnóstico”. Este obreiro dos caminhos foi também o amado patriarca do Sabarthez, a terra dos seus Pais, o pioneiro de uma nova visão do catarismo occitano. Este homem de aparência tão simples, que não exerceu nenhum papel de destaque no cenário mundial, e que, no entanto, salvou vários judeus durante a guerra mundial, não acumulou nenhum bem para si mesmo, mas esforçou-se durante toda a sua vida por restituir-nos um autêntico Tesouro.
Gostava de dizer, com a sua modéstia habitual: “As nossas próprias riquezas espirituais são as que finalmente nos são devolvidas”. E acrescentava, com a força que outorga o saber interior: “Tendes uma tarefa a cumprir, deveis mostrar o que a humanidade perdeu há muitos séculos. Deveis consolar os nossos compatriotas e mostrar-lhes o caminho. Eles perderam-se.”
Consolava os seus amigos com frequência, como os “bons homens” de antigamente, recomendando-lhes que “endurassem” os sofrimentos físicos e morais, pois compreendia perfeitamente o valor da endura, termo cátaro que designa o processo de purificação – por sua vez físico, psíquico e espiritual – ao qual tem de submeter-se todo aquele que busca o Espírito Vivo.